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14 novembro 2012

Conto - Intrusão

O breve roçar nos joelhos fez com que a brincadeira iniciasse.

O tempo era curto e precioso demais para se desperdiçar em papo furado (Certo de que o papo furado também servia como pretexto para o jogo, mas esse não era o caso agora.), um joelho no outro, como se fosse apenas uma cutucada para acordar a pessoa do lado. E assim começou a intrusão.

A brincadeira inocente, não trouxe a disputa de quem tinha mais forças de empurrar o joelho de quem, mas forçou a aproximação entre as duas pessoas, como uma conexão imediata, logo ombros e quadris estavam no mesmo alinhamento e grudados um ao outro. Até então, nada era arriscado, nada era tão impossível e definitivamente nada era tão divertido quanto estar ali, sentada ao lado da pessoa que mais admirava em uma briguinha silenciosa iniciada por um breve roçar de joelhos.

Suspirou, não iria ganhar muita coisa demonstrando apenas isso, mas preferiu deixar a brincadeira seguir as regras da outra pessoa, sem se importar se conseguiria mais que o toque breve nas pernas, no quadril ou no ombro. Realmente não importava muito ter qualquer outra demonstração mais ávida de afeto, contando que aquele corpo ali não se afastasse do seu. Aí sim seria angustiante.

Suspirou novamente, a troca de olhares foi inevitável, assim como o risinho nervoso e sem graça. O joelho desafiado agora balançava na sua direção, batendo de vez em quando na sua cartilagem e produzindo um ritmo estável no seu corpo, estavam dançando e nem sabiam que música que tocava.

Os campos de proteção e vigilância para qualquer limite ultrapassado estavam ligados, armadilhas de ferro em volta, nenhum movimento brusco para não dissipar esse pequeno momento de movimento bobo de uma perna para outra, duradouro era o toque quando o joelho se encontrava com a coxa e ali ficava por alguns segundos antes de voltar a fazer o ritmo viciante de ninar. Queria estar com sono, mas não poderia, não daquele jeito.

Outra troca de sorrisos, mais timidez ainda, uma formiga intrometida circulando a mão fria da outra pessoa, sem pensar em consequência alguma, avançou o espaço pessoal dela e tentou enxotar o inseto. Conseguiu, mas percebera a intrusão tarde demais. 

Os olhos tão vivos de um castanho escuro estavam pregados aos seus, como se procurasse uma permissão total para desvendar todas suas inseguranças. O grande problema era esse: A resposta era a mesma para todas as inseguranças.

Até tentou desviar o olhar, mas sentiu o corpo tencionar ao ter uma das mãos da outra pessoa cobrindo parte do seu queixo e se apropriando de seu rosto. O puxão não foi brusco em seus cabelos, mas sentiu que dali não iria mais escapar (e já era tempo para isso acontecer). Perdida no transe dos olhos que sempre sonhava nas noites mais confusas, ela se deixou levar, pela mão gelada que a segurava no lugar, mas que a transportava para lugares que sequer queria imaginar que existissem.

O rosto desejado se aproximou aos poucos, lábios ávidos por um beijo, um carinho, mas apenas um sussurro foi sua recompensa: "Vamos ficar assim por um tempo...?" e a resposta deveria ter sido algo mais inteligente que um bobo "Arrãm...", e assim ficaram.

Olhos fechados, testas grudadas, pontas dos narizes roçando calmamente um ao outro, os lábios quase se tocando, mas nenhuma esperança de um beijo verdadeiro. A angústia, a aflição, a insegurança, todas foram embora assim que aquela mão gelada se apropriou de seus cabelos e agora acariciava de leve atrás de sua orelha e massageava um ponto na nuca que a fazia ficar sonolenta desde quando se entendia de gente. Naquele mesmo momento da massagem, pensou que a última coisa na vida agora era querer dormir. Suspirou para dentro e viu que o olhar tão irresistível de se mirar estava praticamente hipnotizando o seu, como uma fagulha escondida, pronta para reacender uma chama tão forte que poderia queimar as duas a qualquer instante. Qualquer formação coerente de palavras fugiu ali, igualmente qualquer resistência que poderia colocar para impedir que estava selado. Se adiantou um pouco e tentou alcançar o seu objetivo secreto, mas a mão em sua nuca não permitiu chegar perto dos lábios que tanto queria fervorosamente, tentou mais outra vez, e os lábios se curvaram em um sorriso enigmático, esmagador e estranhamente não familiar.

Algo estava terrivelmente errado ali.

Era a mesma pessoa, a mesma admiração, a mesma chama viva de paixão e luxúria, mas por que o sorriso não? Se era esse o traço que mais a chamava atenção, por que se tornara irresistivelmente predador?

O olhar vidrado no seu foi preparando o momento mais esperado, a intrusão em seu espaço pessoal agora consumado, morreria literalmente se não soubesse o gosto daqueles lábios nos seus. Abriu a boca para dizer algo sobre o silêncio, mas foi surpreendida com um delicioso beijo no ombro. O arrastar da língua macia, as pequenas mordidas inocentes, o calor em seu ventre subindo assim como o beijo tão esperado: Será que aquele era um começo? Haveria um beijo após esse carinho tão provocador?

Um gemido seu escapou ao receber outro beijo um ponto abaixo da orelha, seguido pelos movimentos mais sensuais que alguém poderia realizar com os lábios. Palavras sussurradas em um hálito quente e febril em seu ouvido, viu-se perdida em encantos profanos.

Nem notara para onde o beijo ia.

Foi fortemente abraçada por braços gélidos, mas ainda tão queridos. Seu corpo pareceu amolecer em toda a tensão usada no agarro, por um momento achou que seu coração estava para escapar pela sua garganta, não resistiu ao abraço forte e vigoroso, apenas se entregou, como já gostaria de fazer há muito tempo. Os beijos em seu pescoço continuavam, leves, sorrateiros e provocantes. Arrepios causados por mordidelas mais acentuadas, o fraco respirar quente eriçando sua pele ao passar.

Inundada de uma vontade insana de dominar aquela que eliminava qualquer pensamento racional de sua mente, com esforço ela se soltou do aperto do abraço e sorriu lascivamente para a amante. Convidar para sua cama era algo opcional, mas gostaria de deixar bem claro o que queria para aquele encontro. Levantou-se e estendeu a mão trêmula, mas não compreendeu o porquê do olhar confuso da amada. Mais confuso ainda era ter sua blusa empapada de algo quente e úmido. Letárgica de desejo e paixão, ela mirou a fonte do incômodo. Sangue rubro seu,manchando suas vestes e descendo pelos seus dedos lentamente, como se estivesse se esvaindo aos poucos.

"Me perdoe..." - murmurou a pessoa de seus sonhos, os lábios tão desejados em carmim, cobertos pelo seu sangue, olhos predatórios tão assustadores quanto o desejo que deixara aflorar minutos antes. Seu corpo dizia para voltar a abraçar a pessoa, mas a dor estava ali. A dor tomava conta de seu ser.

Apavorada, em um último relance da Realidade, ela estendeu a mão por ajuda (Ou por misericórdia) e de joelhos desfaleceu ao chão sentindo o peso da amante sob seu corpo.

O beijo agora fora perdido para a Eternidade. Restava apenas a Fome e nada mais.

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