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11 fevereiro 2016

os viajantes do conhecimento

Arte de Otto Arantes no Deviantart: Eshu, Changeling
Atrás do balcão de uma biblioteca pode-se ter uma experiência incrível em observar o mundo de uma maneira mais crua que o de costume. Quem está ali atendendo (E gosta de observar) percebe que há diferentes formas de vida circulando pelas imediações, em seus próprios mundinhos, afazeres e realidades constantes. Uma microscópicas, outras só notadas em equações da física quântica, mas outras bem perceptíveis.

Como foi apelidado por uma das meninas da Biblio, os viajantes do conhecimento são um caso à parte.

Reconhecemos eles logo de cara.
Brotam do nada, abrindo a porta da biblioteca, saindo atrás de uma estante, levantando de uma mesa, caindo do céu como quem não quer nada. Costumam estar em roupas simples, chinelos ou tênis surrado, rosto meio detonado do sol e pelo tempo, exalam vigor, astúcia e falam bastante. 

E como falam.

A aparição deles em bibliotecas é rara, ocasionando um atraso nas práticas biblioteconomistas, mas um avanço quase ilegal no processo de amadurecimento espiritual.
Eles falam de tudo, absolutamente tudo, desde o início do Cosmos, a poeira estelar que nos molda em carne e osso, os mistérios entre as entrelinhas, as linhas que traçam os livros, as traças que comem os livros, os dissecadores de livros até chegar em alguma teoria caótica de vida, seja ela saudável, filosofável, palpável ou alternativa.

Essas pessoas não tem raízes ou ao menos se importam em fazer algo sobre isso.

São pessoas que necessitam falar de alguma maneira, com seus pés ansiosos, mãos gesticulando seus discursos infindáveis de pura sabedoria e experiência pragmatista até a hora do expediente acabar, ou deles atrasarem para seus compromissos.

Como bibliotecária de referência que pretendo ser, um viajante do conhecimento é um prato cheio de links, ligações, acordoamentos e nós em toda a teia de conhecimento que prezo em manter acionada a todo instante. Eles dão dicas, jogam desafios, iniciam charadas, trazem o novo no velho e o velho no novo para percebemos que tudo é uma coisa só. E é. Tudo é tudo, é mais perceptível quando eles estão por perto. 

Por mais que o diálogo possa ser aberto e agradável, é impossível fazer uma retrospectiva semântica (Descobri que tenho esse pequeno probleminha de revisitar tópicos de assuntos mentalmente para não perder o fio da meada) de tudo que eles abordam em uma conversa, e pode esquecer qualquer linearidade. Eles não possuem alguma no gingado, na fala e na mente.

Essas pessoas são fora da casinha.
Elas não tem casinha.
Elas não consideram a casinha, uma casinha.
Para elas a casinha nem existe. 
E quanto menos a casinha existir melhor, porque se a casinha não existe, não há limites para o estar fora dela.

Assim como os notórios Eshus de Changeling - o Sonhar - esses viajantes do conhecimento passam pelas nossas vidas, deixam a peça de sabedoria e simplesmente desaparecem assim como apareceram. Em um passe de mágica, um respirar fundo, uma piscadela, e eles somem.

Não é à toa que o cenário de RPG que me cativa mais a escrever estórias seja uma referência para eu tentar entender essas criaturas peculiares quando surgem aqui na biblioteca (Mesmo sendo escolar! Eles aparecem, brotam do chão mesmo!). A Maria Maricotinha Ângela, minha personagem cutch-cutch do coração é uma Eshu com um destino macabro no passado, mas tem esse dom de aparecer nos lugares mais inusitados possíveis para dispersar informação e renovar energias.
(E ahem, de certa forma essa característica é emprestada da fonte primária desses personagens, o orixá Exú da mitologia Iorubá tem as mesmas "propriedades")

O que fazer nessas ocasiões?
Tudo bem atrasar um dia todo de tarefas para escutar esses seres criativos e improvisadores - lembram-me os bardos e storytellers medievais que caminhavam à esmo por aí, de taverna em taverna, cantando e contando sobre o mundo exterior para dar notícias aos que viviam em suas casinhas - tudo bem ganhar olhar feio do chefe por não cumprir a meta do dia, tudo bem mesmo não atender telefone, não responder email, etc. A oportunidade é única, os viajantes do conhecimento são raros.

Aproveitem bem quando eles aparecerem. Façam perguntas, ouçam com atenção, tenham cuidado em seus julgamentos, apenas entendam que eles estão ali para compartilhar conhecimento e informação e nada mais que isso. Se vão assim como chegam, puft! E se vão...