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05 fevereiro 2023

o ritual do banheiro



[postado em 5 de fevereiro de 2021 lá na rede vizinha e editado para cá]

Coisas que não deu/dá pra entender na cisgeneridade compulsória desde que eu era criança:

1) ritual do uso do banheiro de forma coletiva quando você tem um "sexo feminino" (seja lá o que isso for) na sua certidão de nascimento - ou seja, meninas/mulheres tem que ir juntas ao banheiro SEMPRE!

Motivos que já ouvi sobre isso: Por segurança.
 
Mas por quê segurança se só tem mulher dentro do banheiro?!
Devo temer também mulheres por usar o banheiro feminino?
Não?
Se eu vou junto ao grupo feminino para o banheiro, por quê a história muda? Por que sempre me senti que era mais adequado e "seguro" ficar do lado de fora, prender a bexiga, esperar todo mundo sair e ir quando não houvesse ninguém?

Não era para eu também ter direito de uso desse banheiro com uma placa esquisita dizendo que o que tenho entre minhas pernas determina onde eu deva realizar minhas funções corporais mais básicas e inevitáveis?

Se é por segurança, por que fui mais discriminade dentro de banheiros femininos que dos masculinos? 
(Porque quando chega a hora em que aperta as necessidades fisiológicas, galera, não dá nem tempo de julgar "segurança" e "conforto" nessa.)

Já me disseram que é um rito da tal da feminilidade, pois no banheiro feminino ocorrem as conversas sobre vários assuntos em que no público não pode haver. O negócio de troca de confidências.
Novamente, por quê eu me sentia mais aliviade em ficar do lado de fora do que participar desse chat expositivo dentro desses locais, me so com amigas de meu círculo?

Outro motivo pertinente: mulheres se ajudam, sororidade. 

Então por quê várias vezes que eu ia quando criança, adolescente e adulta me foi requisitado rudemente para sair, pois aquele não era meu banheiro, não, eu não poderia usar aquele espaço, sim o silêncio constrangedor da estadia breve sempre é obrigatório?

Lembro de um dia em que uma mulher me pediu um absorvente e eu acabei me trancando no box por não entender essa inclusão à socialização de banheiro feminino. Sinceramente achei que era uma daquelas pegadinhas de que se eu não tivesse o absorvente seria expulse do local por provar que não era mulher - afinal mulher SEMPRE tem absorvente/tampão na bolsa.
(FFS gente da onde tiraram isso?!)

Lembro também de passar o absorvente por cima do box e não esperar resposta. Era um teste? Eu passei? Se sim, por quê continuei a ser convidade rudemente a sair do banheiro em outras ocasiões?
(Sim, na hora do aperto já usei o banheiro masculino com pessoas assinaladas como homem ao nascer lá dentro. Não, não foi o highlight da minha vida, não, não encorajo ninguém a fazer isso, não, não fui violentade, tratade rudemente como fui/sou nos banheiros femininos)

Se eu perdi ALGUMA COISA nessa socialização feminina, adoraria saber, pois tem sido isso desde criança. 
A confusão, o medo, as gambiarras sociais, os acordos tácitos que parecem falhar quando um corpo fora do padrão adentra a esse ambiente público, mas ao mesmo tempo tão privado (com intenção de fazer piadinhas com privadas).

Conversemos.

18 dezembro 2020

responsabilidade emocional nessas paradas é necessária

Postei no FB, vale a pena postar aqui também.
É para não esquecer.
Porque sou idiota, ainda sou trouxa e vai demorar para isso sair do meu sistema.

Mas... PESSOA CISGÊNERA, seguinte:
(Você sabe muito bem quem é você)

Debaixo do link tem o recadinho especial, e junto vem esse gatinho zangado com um pedaço de pão de forma em volta de sua cabeça para ilustrar essa postagem.


10 outubro 2018

quando a violência sempre esteve muito perto

Aquele textão que talvez sirva pra ilustrar bem o que outras pessoas possam estar sentindo nesse exato momento, mas que não consigo mais segurar em não escrever por diversas razões.

Não sei quanto a vocês, amigolhes da timeline, mas nunca fui uma pessoa de saber lidar com conflitos, seja qual fosse a natureza. Sou péssima em debates calorosos em que as emoções estão à tona, não me sinto confortável com pessoas discutindo, odeio ver bate-boca e minha reação para brigas com envolvimento físico é de correr na direção oposta. Não é por falta de tentativa em ser alguém corajoso ou de ter vontade de me impor, é que a violência sempre teve muito perto de acontecer quando você é uma pessoa que pertence a uma dita minoria.

Em algumas vezes a violência é tão intensa e rotineira que vira algo banal aos olhos de quem sofre.
(Já acontecia antes, não é? Agora começou de novo? Ah tá.)

07 novembro 2017

a privação predatória

A tradução tá bem por cima, gente, mas a mensagem... Foi realmente lá onde queria chegar quando penso nessa de socialização de gênero e vivência como pessoa não-binárie e sim o que ando lendo sobre experiências das pessoas nisso tudo - se substituir algumas coisinhas ali, encaixa direitinho em como muit@s vivem.

~ Todas as lésbicas com que falei concordam que uma das coisas mais humilhantes e desmoralizantes é ter uma garota hétero pensando que você está (conversando) vindo até elas simplesmente porque você gosta de garotas e isso ... realmente ferra com nossos relacionamentos platônicos e românticos, porque enquanto as outras garotas se sentam nos colos das outras, e dormem nas mesmas camas e pegam na bunda umas das outras por diversão, estamos colocando tantos muros apenas no caso de nossas amigas héteros (não) acharem que estamos atrás delas.
e por nossa concepção de relacionamentos com outras meninas em geral é tão fodido e reprimido que não temos idéia de como navegar em nossas emoções quando realmente nos atraímos por uma garota e queremos chegar perto.
Vocês reblogando com "as meninas hétero / caras gays experimentam isso também" ... .nah, isso não é sobre pessoas que pensam que você as quer, é uma experiência excepcionalmente atrofiante para lésbicas que estão excluídas do desenvolvimento de amizades e se comportando ao redor de outras garotas de formas em que todos somos socializadas para (entender que), porque nos julgamos / os outros nos julgam como "predatórias"




Esse tópico me é particularmente delicado por ter/ser/absorver esse julgamento de "predatório" sem ao menos fazer jus ao título. O que a heteronormatividade compulsória nos obriga a ter papéis bem distintos e quadradinhos na socialização em grupos específicos, entre os potenciais pares do LGBT apenas consigo visualizar esse distanciamento entre forma de expressar seus sentidos/pensamentos e a forma como é o entendimento exterior.

08 outubro 2017

os espaços e os buracos

Fonte: Red Bubble
Sei que é tardio, mas ando percebendo melhor em algumas coisinhas que vem acontecendo nos espaços de interação em circulo. Isso é compreensível por alguns fatores, o fato de eu ter saído do armário mais tarde, de ter sido obrigade a me manter em silêncio sobre minha sexualidade e identidade de gênero, a forma como compartilho a minha visão de mundo com as pessoas e principalmente a minha atenção aos discursos que leio/ouço nesse meio tempo.

Mesmo ali, criança, eu já tinha um espaço não definido de encaixamento por transgredir algumas normas. Falo sobre banheiros acessíveis aqui, sobre as filas-metáforas de gênero binário que excluem aqui e também  de como preconceito mata um pouco cada dia.

Algo que me chamou atenção foram dois episódios da vida acadêmica - que teeeeenta ser inclusiva, mas acaba escorregando e feio em vários aspectos de identidade, pertencimento e humor. O primeiro foi ao ler um artigo bem bacana sobre monogamia e não-monogamia em relacionamentos lésbicos. Compreender como é a forma de opressão social em que um relacionamento não convencional (E no qual desejo e me identifico sexualmente e emocionalmente) pode ter/acobertar com a monogamia/não-monogamia foi um baque esquisito. Até eu ler lá embaixo no texto que o texto tinha sido escrito por uma autora que se identificava como radfem (Feminista Radical).

Separar o eu-lírico do autor é difícil nessas horas.

Porque antes mesmo de me assumir como não-binárie já lia/ouvia muitas coisas sobre como dentro dessa ramificação do feminismo há grupos que costumam tratar as pessoas trans+ como escória. O texto foi ótimo, obrigade, mas ainda com pé atrás quanto a refletir mais coisas por ele ou nele. Ruim isso né? Desconfiar até daquilo que você acha interessante em ler.

O espaço ali, nesse caso, é entender que até certo ponto eu posso ler como pessoa lésbica, MAS não posso ler como trans+ não-binárie. E qualquer tipo de leitura que me force a não deixar eu ser eu mesme é como me fazer recordar do armário de concreto e cheio de arame farpado que eu me forçava a ficar para ninguém me machucar/atingir. É esse espaço confinado que não suporto, e se é a leitura que me causa isso, dá uma tristeza danada.

A segunda situação foi de ouvir proibições veladas com algum fundo (ou não) de libertação de amarras sociais. Como aqueles convites de festas de "Apenas mulheres" e ficar com uma sensação amarga na boca de "Volta pra fila, Morgan que aqui não é teu lugar". E como eu disse antes, tardiamente percebendo essa proibição, mas fazendo o rememoramento de interdições (é essa a palavra, interdição!) em toda a minha vida, sempre esteve ali: interdições corporais arbitrárias para a não-apropriação de um espaço ou lugar de pertencimento.

Por isso a sensação de deslocamento se instaura com mais rapidez que eu pensava. porque tou sacando dessas coisas agora, não antes. Eu as sentia como tapas nas costas com um confortável "Oi, aqui não é teu lugar, porque você não se sente bem com isso", mas agora? É um soco nas fuças com um aviso em neon de "Você não pertence a esse lugar: dá o fora!"

Foda isso ter que ficar desviando de buracos.

E pode parecer ingenuidade ou falta de prestar atenção, mas como disse antes, só me vi/identifiquei como trans+ agora, não quando estava sob o julgo da heteronormatividade compulsória (Que acaba sendo mais uma dama-de-ferro do que uma armadura para se proteger do mundo. Sim, é sobre aparelhos de tortura medieval que estou me referindo). Aí isso emenda com as reflexões que tenho diariamente com colegas pertencentes a grupos de minoria étnica-racial, movimentos estudantis e populações em risco social e a interdição está ali, escancarada com a placa de neon e possivelmente algum agente passivo do status quo apontando um rifle bem mirado na sua testa. E essas pessoas que estão sob a mira são vítimas de violências bem piores que essa que estou tentando discorrer aqui. Os "privilégios" de sofrer preconceito não são equivalentes, e isso me incomoda seriamente.
(Aí puxa gancho para um "Aquelas pessoas que vivem no mundo da lua que tem problema na cabeça" para denominar um autista. É fucking dose!)

Essas interdições são agressões que vão acumulando com o tempo. Essa é uma das razões por eu não ter afinidade e vontade alguma em frequentar lugares de diversão e descontração com outros seres vivos. Eu morro de medo da interdição, porque ela já foi e continua sendo muito presente na minha vida em particular. O cerceamento de palavras, o autocontrole subjetivo, a admoestação coletiva de "Você não parece X, logo deve ser Y, mas também não é Y, então é melhor nem começar a pensar que é Z. Volta a parecer ser X que fica tudo certo".

O tio Fucô falava da Interdição muito ligada com a questão da Razão e da Loucura, que a fala do louco é silenciada na forma mais pura de violência no discurso: interdição. Então se eu falar, há mais formas do mundo exterior terem certeza científica-lógica que sofro de insanidade e se eu não falar já atesto a minha loucura comprovadamente no "Quem cala, consente.".

Isso pesa pra baraleo, gente.
É de virar noites inteiras sem dormir e acordar hoje tendo que fingir que aqueles fatos/discursos não bateram como ponta de faca em ferida já quase cicatrizada. É desviar de outro buraco que talvez eu possa estar cavando apenas por compreender como isso funciona.

[edit] Aí aparece na minha timeline uma discussão de um tweet de uma pessoa de fama moderada em canais televisivos falando que "Ser transexual é fácil, todo mundo acha lindo. Mas ser veado continua a ser uma das maiores aventuras do homem, tipo a escalada do Everest” e depois “Desde que os transsexuais viraram moda as bichinhas quaquás passaram a ser criaturas inferiores, sem graça, sem charme, sem nenhum sex apeal" - e aí confirmou a possível tabelinha de privilégios de preconceito (Algo que já vejo acontecer demais em movimentos de classe). Sabe o famoso #WhitePeopleProblem? Quase isso, só que no caso o "privilégio" a ser festejado é o preconceito recebido. Então quanto mais preconceito recebo por estar em classe X, ou ter a orientação sexual Y, ou sou visto pela sociedade de modo Z, tenho mais direitos de silenciar aqueles que não sofrem o que eu sofro.

Você vai lá, vai vendo a pontuação na tabelinha - branco, homem gay, classe média alta, escolarizado, de direita - e soma os resultados para ver o quanto de preconceito sofre para então cobrar o silêncio dos outros. Lembrando que de acordo no mundo fictício em que o sujeito narrou os 2 tweets (Apagados logo depois de causar polêmica, sabe? Ele pediu desculpas também), transexuais são os menos privilegiados na pontuação. Então pela lógica não deveriam nem começar a reclamar, certo? As bichinhas quáquás sim, essas merecem todo direito de serem reclamantes.

15 maio 2017

le petit muerte

O problema não é a causa disso tudo. 
O problema são as pequenas coisinhas que matam.
Pequenas mortes.

O que mata é não poder ter seus dedos ficar entrelaçados nos outros dedos, em público não pode.
O que mata é não poder sentar ao lado de quem ama porque vão perceber, em público, que não deveria amar aquela pessoa.
O que mata é não ter escolha de palavras quando perguntam o estado civil, mesmo após anos de vivência, de rotina conjunta, de vidas entrelaçadas (como os dedos lá de cima).
Não é o grande problema que mata, mas são os pequenos, todos os dias, se repetindo em uma espiral de não-expectativas.

O que mata é a olhada de cima abaixo em como você se sente confortável sendo você mesmo. 
O que mata é a recusa de emprego por ser quem você quer ser, mas em público não pode
O que mata é a vergonha da família, do não poder falar
O que mata é o silêncio de quem tá junto e sofrendo o mesmo assassinato todos os dias. É o ninguém falar
O que mata é cada "Eu gosto muito de você, mas não posso ficar contigo", porque em público não podemos
O que mata é não esperar por mais nada, porque esperou tanto por algo inesperado na vida e ter nenhuma expectativa de viver aquilo novamente. 
O que mata são as contas das soluções paliativas médicas, dos atestados de sanidade, das terapias, dos medicamentos, das taxas a mais, da burocracia. Isso pode ir à público.

Isso que vai matando um pouco a cada dia. 

O que mata é outra vez não poder contar com ninguém quando a coisa aperta. Em público não posso.
O que mata é quando se convence disso é de que em público não pode
O que mata mesmo é ter um termo científico pra isso só esperando o momento oportuno - entre um diagnóstico caseiro, paranoico, atestado por autoridades e outros - para aparecer. 
O que mata é colocarem uma categoria em que não se quer ou se imagina encaixar. 
O que mata é aquela foda muito boa na noite anterior e se sentir sem vida pro resto do dia. Porque entre quatro paredes tudo pode, mas demonstrar carinho em público não pode
O que mata é saber que a foda não vai acontecer novamente, porque não vai haver mais do que aquilo.
O que mata é ver que ainda estão matando gente como a gente, porque em público não pode.
(mas matar pode, em público tá virando moda) 
O que mata é dizerem que é invenção da cabeça, modinha de intelectual, que é fase, que vai passar quando achar um padrão decente pra colocar no lugar. Essas coisas em público não pode
O que mata é não se ver em lugar algum. 
O que mata é ver que a mídia mata quem você acha que pode representar um pouco daquilo que você sente na maior parte do tempo. 
O que mata é não ter a ilusão de conto de fadas, nem de final feliz. É não sonhar mais.
O que mata é não poder passar os dedos nos cabelos de quem ama, nem que seja discretamente, em público não pode.

O que mata mesmo é ver isso acontecer há poucos bancos no ônibus para um lugar onde supostamente deveria (e se proclama) dar segurança de viver como sou. 
O que mata é ver isso acontecer enquanto um casal padrão normativo fazer isso e muito mais, bancos a frente, sem ser admoestado. Em público não pode. Eles podem.
O que mata é ver aquela fagulha ínfima de cumplicidade, de carinho, se tornar um olhar desconfiado ao redor e um sorriso amarelo para se explicar. Em público não pode.
O que mata mesmo é ainda ser obrigado a se explicar por querer dar carinho a alguém que amo.


O problema não é a causa disso tudo. 

O problema são as pequenas coisinhas que matam.
Pequenas mortes.

E como elas vão silenciando a gente, aos poucos, conta-gota, até a normalização ser habitual, o controle imediato, as ações de sobrevivência mais automáticas.

O que mata mesmo é isso. 
E em público não pode
Pro resto da sua existência miserável nesse planeta: em público não pode.

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N/A: Le petit mort é uma expressão francesa para conotar o orgasmo "a pequena morte", já muerte é uma alusão a Santa Muerte, a padroeira dos pobres, dos comerciantes ilegais e traficantes, e não tem nada a ver com prazeres.