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16 maio 2018

medidas drásticas

Começa com um leve distraimento de palavras, uma falada que soa arrastada, talvez nervoso, talvez dificuldade em se expressar devidamente (afinal tenho simpósios inteiros dentro de minha cabeça antes de abrir a boca sobre qualquer coisa). 

Aquela sensação de "acho que estou esquecendo de algo?" vai subindo aos poucos, como uma aranha de muitas pernas afiadas, mas cuidadosas em seu andar. O foco então é então aumentado, como um estalo estático de pura adrenalina direcionada.

Prestar atenção em tudo ou apenas em um detalhe? 

A ansiedade decide na hora. 
E dói a escolha por não ser a outra. 
A ansiedade escolhe, mas também me convence que a outra opção também era válida. 
Meu cérebro discorda dessa premissa. 
É impossível, nesse estado semiacordado, manter a atenção em duas coisas totalmente opostas. 

Logo a aranha de muitas pernas, afiadas em suas maquinações, fria em sua execução, decide o que está em jogo: a atenção tão forçadamente ansiosa ou sucumbir novamente as medidas de precaução. 

Medidas drásticas. 

Meu corpo e mente estão acostumados com esse tratamento de choque. Tá tudo bagunçado? Confunda tudo. Tá tudo desordenado? Crie mais caos. Tá tudo barulhento? Faça mais barulho até ensurdecer. Tá em seu pico de energia recuperada, mas é a ansiedade dando o ultimato: "Ou vai, ou vai!

Então a aranha, de grosso corpanzil denso, quente, coberto por pelagem tão enganadora para fingir conforto e tranquilidade, se deposita em meu peito. Devagar, lasciva, sem pudores, deita. 

Medidas drásticas. 

Minha cabeça tomba sob meus braços cruzados em qualquer superfície sustentadora. O mínimo zelo com a postura já arruinada, espinha de muitas injúrias, costelas de muitos resíduos, órgãos de muitos estilhaços. 

A próxima lembrança é nula. 
Se a aranha está ou não adentrando meu peitoral, entranhando entre meus pulmões e se alojando em meu coração fraco, não sentirei. É momentâneo. Um instante entre estar completamente em sua sã consciência, firme de suas faculdades mentais, em domínio de seu próprio corpo, essa máquina infalível até que se prove o contrário. 

Cerca de uma hora perdida. 
O que parecia ser momentâneo.
O que parece ser um piscar de olhos. 
Cinquenta e oito minutos malditos perdidos em algum lugar entre o Erabo e o limbo. 

Onde as almas dos adormecidos vagueiam, os proscritos se revezam, os que não mais pertencem a essa existência reinam. 
Onde os doutores tentam desvendar com os aparelhos de polissonografia, os cabos e as anestesias, os treinamentos exaustivos e a disciplina diária. Cinquenta e oito malditos minutos perdidos em um oceano invisível entre os vigilantes e os adormecidos. 

A aranha com tanto poder, espreme devagar meu fígado, libera líquido viscoso, nocivo, espeta com sadismo meu spleen. Acordar de um sono profundo, terror abrupto, perda de tonus muscular, escape da consciência, estado vulnerável. 

Medidas drásticas. 

A fúria irmã da mesma besta primitiva urra. Ira instintiva por situação tão delicada de sono repentino. 

Não será exaustão? 
Não será preguiça? 
Onde escondo a indignação? 
A vergonha pessoal? 

A aranha escarnece, ainda alojada em minha corrente sanguínea, pronta para ser expelida e voltar ao processo novamente: espreitar, vigiar, se arrastar e atacar silenciosamente quando esse corpo aqui não estiver pronto para mais outro ataque. 

É assim que me sinto quando caio no sono sem mais nem menos durante a aula.

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