Pesquisar este blog

16 julho 2016

as particularidades discursivas

Aqui na Biblioteconomia ando pensando umas discussões muito boas entre lados políticos de diversas facetas. Tem de tudo ali. Estar engajada no centro acadêmico traz uma bagagem enorme de tato tácito entre as pessoas, até porque você vai passar anos com essas pessoas pelos corredores e criar desavenças por opiniões diferentes não faz de ninguém melhor.

Como estou nessa caminhada de autoafirmação de certa forma apenas na teoria (até então não encontrei ninguém não-binárix pra trocar uma idéia ao vivo e comprovar teorias que meu interior entende como visão de mundo, mas que talvez para outra pessoa seja completamente diferente.

A maldição tá na linguagem, seja qual ela for.

Então há essa pessoa muito muito muito linda e batalhadora e situacionalmente vulnerável a uma porção de emparelhamentos sociais, mas que não perde a voz em momento algum para expressar sua vivência, seu posicionamento e o mais importante: sua mulheridade.

Essa é a forma como ela usa o termo. E eu acho incrivelmente encantador como alguém que desafia qualquer possibilidade costumeira do status quo ao se empoderar da linguagem na linguagem para desconstruir a linguagem.

Complicado né?

Pois é assim que me sinto quando vejo/ouço a linda pessoa. Ela me fascina pelo fato de saber seu posicionamento e espaço na sociedade, usar essa problemática que permeia e influencia a vida dela todo o santo dia e transforma em discurso ativo, questionador e de certa forma aquele tapa na cara que muitos precisam.

Adoro conversar com a M. Z. por isso, ela me mostra que não importa o quanto nós tentemos nos expressar, seja qual for nossa vivência, regras de vida, óticas de vida, tudo, absolutamente tudo há uma forma de se reafirmar como sujeito e se empoderar através de ações ou através do Discurso.

A discussão em questão era sobre as teorias do feminismo radical, da teoria transgênero e a posição dx travesti nessas formações discursivas. Ela e a M. mantiveram um debate que achei essencial presenciar pro resto de minha vida, até para me entender onde encaixar o meu posicionamento quando indagada sobre as escolhas lexicais, formas de ver a questão de gênero, a fluidez entre um conceito e outro. Bem, descobri que posso não ser bem aceita entre muitas ramificações do Feminismo por simplesmente decidir que o binarismo de gênero (feminino e masculino) não seja ideal para a minha visão de mundo, de enxergar a realidade em que me insiro, que toda a construção identitária que sofremos desde pequenxs para satisfazer uma vontade da ideologia dominante (cis gênero, branca, de raiz lá nos processos de dominação do corpo e de como tratar o corpo do Outro - e isso vai dar um problemão de tentar exprimir teoricamente, pois eu me encontro inserida nisso, enquadrada nessa ótica de visão de mundo binário AND sou considerada branca, classe média, que usufruo de privilégios estabelecidos por um sistema defeituoso e altamente coercitivo, e que NÃO JAMAIS DEVO usar a minha fala/discurso nessa posição em que ocupo socialmente para reafirmar direitos de grupos que não tenho como ter fala. Eu não vivencio a mesma realidade desses grupos, não posso silenciar ou rasurar o que eles dão voz só por conta desse privilégio. Viu como o buraco é BEEEEEEM mais fundo quando se analisa o discurso do Outro?).

O meu posicionamento sobre o Feminismo é o mais geral que consigo deliberar: igualdade, coexistência e respeito entre todxs. Vejo/ouço os desdobramentos desse discurso nas vocês de amigues de curso e diversas pessoas, apesar de haver convergência entre eles, há também a forma mais primitiva de se entender o mundo: a separando ao categorizar.

Aí que a cova começa a ser cavada, pois se o discurso transparece as posições de sujeito e assujeitamento que certas escolhas ideológicas que estão ali e não posso fazer nada para apagar, rasurar, mascarar quando o Outro vê/ouve, cumé que vou não me categorizar em coisa alguma ao abdicar da categorização?!

Viu porque cheguei a esse ponto da minha vida em assistir um debate caloroso sobre teorias que em tese deveriam estar ressoando de forma harmoniosa por professarem (e a escolha lexical aqui em colocando o verbo professorar foi intencional) a mesma igualdade, a mesma coexistência, a mesma forma de ver o Outro - ou antagonizar o que prejudica a esse discurso acontecer, o machismo, o patriarcado, a opressão capitalista, a desigualdade social que o sistema produz e reproduz - se esvair quando se toca na categorização de gênero e de formulação de se enxergar o corpo, e tudo ali embutido?

Em outras palavras, voltamos ao eterno embate maldito perpetuado na Idade Média: o meu corpo não me pertence, pertence ou ao Estado, ou a Deus, ou a Medicina, ou a Ciência, ou ao Outro cuidar.
Essa powha é tão bem construída em se manter escondida entre as entrelinhas de discursos que vemos/ouvimos o tempo todo que as categorizações ficam difíceis de serem desconstruídas depois de um tempo.

Cumé que vou tentar explicar a uma travesti ou a uma feminista radical que a forma de ver o mundo onde me encontro e me insiro não é o mesmo que elas constroem para si mesmas?

Primeiramente #ForaTemer e segundamente, não É MEU DEVER explicar coisa alguma, o máximo que posso fazer é demonstrar meu posicionamento de sujeito em que me encontro, esperar a reação, dialogar conforme der para dialogar e ter respeito e maturidade o suficiente em compreender que as 2 colocações da discussão podem ou não estar certas, podem ou não serem válidas, podem ou não reafirmarem a minha opinião sobre gênero (mero construto social pra denotar posição de dominante e dominador, tudo auxiliado e embasado na linguagem).

O mais foda disso tudo foi ouvir as opiniões com um sorriso de criança curiosa que me senti na hora, coração na garganta, mil ideias na cabeça, e receber um sincero: "A gente se respeita acima de tudo e isso é o que rege essa conversa". Sabe o quanto isso é incrível de ouvir quando se já tem uma normativa na cabeça professorando (e usando o verbo novamente) que o encaixe, a categorização não vai te aceitar?

Eu achei o máximo. Tanto que vim escrevendo esse texto dentro do busão, e não fui gentil o suficiente para dizer a outra pessoa linda o quanto ela estava de tirar o fôlego e fazer o meu ritmo cardíaco aumentar consideravelmente. Tudo uma questão de tato tácito.

Essa é a vida na Biblioteconomia, gente. 4 anos pra organizar estante, ser chamado de bibliotectomista em audiência pública por deputado e ter a melhor conversa épica que pude testemunhar nesses anos todos de vida acadêmica.


Nenhum comentário:

Postar um comentário