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23 julho 2016

A grande cisma da enunciação continua




As usual, uma das minhas pesquisas recorrentes quanto ao discurso alheio (e formas de construção de poder, manutenção desse poder e dissimulação do poder, lalalalala) sempre acaba voltando para a controversa figura da dominatrix. Não a mulher estereotipada na mídia e em alguns sites por aí, mas aquele papel de autoria demonstrado em relatos sucintos e às vezes detalhados (muita calma nessa hora) dos blogues de dommes - como elas se autointitulam - pelas interwebs. Por que o assunto tanto me fascina? Não sei, Freud explica.

Debaixo do link tem algumas impressões sobre sites que gosto de visitar regularmente para checar as enunciações das dommes - em sua maioria mulheres acima de 30 anos, classe média, residentes nos EUA (A comunidade BDSM é bem organizada e com estrutura teórica delineada por lá), que usualmente usam a Internet para expor seus pensamentos, relatar casos, trocar ideias e/ou assustar leitores incautos e inocentes com papos mais ahn... aquelas coisas que você acha que as pessoas não fariam entre quatro paredes, mas fazem.

Trilha sonora? Dica da Mistress Malice é The Genitorturers com uma cover do The Divinyls "I touch myself". Não, isso não quer dizer nada no que é tratado aqui na postagem, não vou me ater aos detalhes mais pitorescos.


Antes de começar a discorrer sobre o discurso das dommes (E uma sub muito fofa que encontrei por conta disso), é importante frisar que a comunidade BDSM já se estabeleceu como um grupo de representatividade expressiva e com visibilidade boa dentro da sociedade norte americana. Pasmem? Oras, a 4ª ementa deles fala exatamente disso: liberdade de expressão e eles seguem bem ao pé da letra. Outra coisa: as minhas impressões são pontos-de-vistas que tenho por pesquisar po rum tempo apenas na internet, não quer necessariamente que é a realidade mesmo.

Por conta dessa organização social já acertada, inclusive com algumas legalizações dentro da Legislação dos estados sobre a profissão de dominatrix, e convenções/eventos enormes para divulgar o estilo de vida (!!!), é fácil presumir que haja bastante coisa para pesquisa, mesmo quando se é de fora. Durante o tempo que ando coletando informações aqui e acolá, nunca vi tanto site informativo sobre a comunidade, desde guidelines sobre o que é o BDSM (bondage, discipline, domination, dominance, submission, subservience, sadism, masochism, sadomasochism, sim, pode significar tudo junto ou separado), como dar os primeiros passos e a parte mais importante aqui desse estudo informal: onde você pode pagar para se submeter.

Urrum. Isso mesmo, lá nos estaites há casas de BDSM para pessoas contratarem os serviços de uma domme, pagar por uma quantia (Conforme o que a pessoa deseja), ter o serviço por algum determinado tempo (as sessões não costumam demorar muito, até porque é um negócio, não recreação) e sair satisfeito de lá com seja lá o que a pessoa tenha decidido.
(Já dizendo que espancamento é o mínimo na tabela de "coisas permitidas a fazer" nas sessões, e adivinhem só: não há sexo. nope, Não é assim não. Dificilmente em uma sessão BDSM paga vai haver contato sexual entre domme e submisso, e não elas não se classificam como profissionais do sexo. A linha é tênue na lei americana sobre esse assunto)

Há dommes que atendem à domicílio e cobram separado, há outras que se juntam e fazem sessões conjuntas, há também dommes que não atendem clientes, mas são dominatrixes em casa mesmo, com o marido/namorado/noivo, há poucos relatos de dommes exclusivamente homossexuais, na maioria em que pesquisei elas se identificam como pansexual, bissexual ou héteros. Transgênero? Não encontrei nenhuma se identificando como mulher até então. O negócio é que nessas em que pesquisei o objeto de submissão era o homem - ser humano que se identifica com o gênero masculino, sabe? - e é aí que reside a base da enunciação delas.

(Posso jogar aqui um misto de invejinha/admiração/tentação pela enunciação embutida na figura da domme? Desafiando o status quo patriarcal, elas submetem os sujeitos sub e os vanilla também pela linguagem verbal. A inversão de papéis sociais aí é clara, sem espaço para entrelinhas e as bordas estão muito bem delimitadas. A linguagem que elas usam em especial faz com que a minha pessoinha sinta uma atração quase obsessiva em ler tudo que possa haver sobre. E se Freud explicar mesmo, é porque tenho vontade inconsciente de ser dominada, nem que seja linguisticamente falando,certo? Viva o ID.)

Um cara paga certa quantia (muita grana, diga-se de passagem) para uma mulher o espancar ou usá-lo conforme as determinações pré-estabelecidas antes da sessão. É uma inversão de status quo aqui que é de explodir a cabeça!

Muitas são feministas, muitas tem um discurso livre sem preconceitos de gêneros e papéis sociais, muitas se enquadram naquela notória fama de femme fatale que a mídia gosta de explorar, mas ao ler o que elas escrevem é perceptível que essa construção de femme fatale é resultado de uma porção de enunciados que denotam poder em seu mais alto nível (O de causar dor por prazer) e de certo desdém pela sociedade puritana tradicionalista.

É, estudar sociologicamente isso dá um trabalhão também, mas aqui no Brasil não costuma ser muito divulgado. Há casas que atendem dessa maneira, há dommes (Ou Rainhas/Princesas e as hierarquias variantes do original em inglês Princess/Mistress/Lady/Madame/Queen) que atendem à domicílio, e definitivamente devem ter dommes em relacionamentos fechados e sem previsão de lucro. Só não é culturalmente viável deixar isso claro no Brasil. Tive contato com 2 dommes brasileiras até então, mas a coisa não se encaminha muito para um bate-papo promissor sobre o porquê delas se comunicarem da forma em que se firmam como sujeitos de enunciação.

(Na verdade, eu morro de curiosidade e medo ao mesmo tempo, pois creio que não posso perguntar coisas como: "Hey, por que você sempre usa um discurso de empoderamento feminino, mas sempre virado para si mesma e não no coletivo?" ou "Você tem ciência que usa a terceira pessoa para falar de si mesma?" ou com o que mais perturba/fascina: "Por que você grafa toda palavra que denomina a si mesma em letra maiúscula?" - acho que não é um papo interessante para elas tratarem com uma criaturinha besta como eu, então vou indo pelas bordas, quem escreve em blogue me dá pistas também)  

Com isso estabelecido, já dá para falar dos sites que sigo, né?

A dominatrix de Nova Orleães não escreve faz um tempo, mas do site dela deu para descobrir outros blogs de dommes americanas que me levaram a blogs de subs. O afunilamento de pesquisa foi também enquadrado nas minhas preferências de análise, já que não me sinto a vontade com male dom  - pessoas identificadas com gênero masculino e dominadores - que puxam uma conversa muito muito diferente da enunciação das dommes "sou uma mulher empoderada, superior e domino homens de diversas formas humilhantes para esse gênero". Eu sinto um pouco de receio da escrita de male doms, parece um pouco reafirmando o patriarcado, sei lá, só não me sinto confortável em passar em blogues deles (até porque eles são mais gráficos e nope, nope, nope, prefiro ler, obrigada).

Por mais cabuloso que seja o assunto - a gente se policia corporalmente através do tabu, sabe? - me interesso MUITO como são essas marcações nos textos de Dommes e subs, desde posicionamento de Dominador vs dominado (aquele d maiusculo e minúsculo não estão à toa no texto), forma de referenciamento sobre si mesmo como sujeito e persona (eu Domme, Me refiro a Mim Mesma no começo dessas palavras que evocam a Minha Persona em letras maiúsculas e Me refiro aos outros em letras minúsculas), apelidos, termos da comunidade BDSM, artigos, diferenciação de gênero (quando há! Elas respeitam bastante a questão de transgênero e as marcações gramaticais neutras), de idade e até no discurso de cunho pessoal - postagens sobre as vidas "vanilla" delas ocorre uma distinção entre sujeito e persona. 

Os que ando lendo mais são:

Dumb Domme - uma mocinha muito muito analítica, perspicaz, detalhista e sempre aperfeiçoando a sua forma de dominação com os subs que tem, a desenvoltura da escrita dela é incrível e ela é muito engraçada (Vide título do blogue, hello?). Já havia citado ela aqui uma vez pelas postagens awesome sobre vida pessoal e dificuldade em se ter um consenso entre a persona Domme. E ela tem um FAQ. FAQs conquistam meu coração de imediato. Não atualiza desde agosto de 2015, espero que esteja tudo bem com ela.

DommeChronicles - Ela é mais velha, ou como se denomina "cougar", algo como nossa "idade da loba" aqui, mas mesmo assim fico intrigada. Ela posta muito sobre as suas aquisições em subs e preferências lexicais variam. Ela parece ser flexível quanto a termos e condições em sua vida de Domme. Entre os blogs que acompanho, ela é a mais aberta em seu lado romântico (e como a comunidade e/ou regras acabam atrapalhando/ajudando isso). E de lá tem mais blogues para explorar.

Kayla Lord - Ela é sub de um dom, mas o que me chama atenção nos textos dela é justamente como a dinâmica D/s sobrevive em um casamento. Yep, o dom é marido dela. Então sai da esfera de Dommes profissionais que eu estava acostumada a ler. Apesar de alguns assuntos eu pular por diversas questões (casamento heterossexual com um dominador do gênero masculino, hello? Isso afeta diretamente o discurso da moça), a Kayla produz muuuuuuitas postagens, tem um podcast de dúvidas da comunidade, escreve contos da temática e costuma compartilhar links de outras Dommes e subs. Sobre os termos e escolhas lexicais, a Kayla é a que mais se preocupa em se adequar e pontuar. Isso é ótimo pra mim, porque tem coisa que me escapa 

Em papel de referência aqui, ela é a primeira na lista do meu feed para ter mais informações sobre a comunidade BDSM e os termos usados, e vocabulário controlado e tudo que é possível para entender o que dá nas regras de lá 

Dommenique Luxor - Era domme profissional aqui do Brasil, escreve pouco, tem alguma postagem sobre as regras e alguns links da cena no Brasil, mas discutir sobre os termos usados? Nope. 
Nas entrevistas que a vi [+] e [+], ela não parece ter muito das regras e escolhas lexicais como as americanas. E na fala é um saco de analisar porque entra uma porção de variáveis para saber exatamente como ela demarca sua persona Domme e separa do resto do mundo. E ela se aposentou em 2015.

Kinkly.com - Esse é um site abrangente de diversas temáticas sobre sexualidade e relacionamentos. Tem de tudo lá, mas a parte de BDSM é bem 101 basicão para entender o sistema. Muitas blogueiras costumam postar lá, de vez em quando Domme, a Kayla também, já um espaço para review de materiais de scene e outros trecos e parafernálias. Legal é que há espaço LGBT também e às vezes os dois assuntos se convergem.

Tem mais links aqui [x] - [x] - [x]

E também vou treinando pra um futuro próximo, com tanta regra que imponho dentro da minha cabeça, creio que só gostaria de um relacionamento com configuração BDSM se fosse para obedecer lexicalmente a pessoa ou jogar com essa forma de dominação linguística. Tenho problemas com a linguagem, gosto de manipular e de ser manipulada por ela.

Vou fazer o quê?!

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