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21 novembro 2015

interlúdio - mãos e constatações

Parece maluquice, mas a primeira coisa que percebo nas pessoas são as mãos.

As mãos revelam tudo: no que a pessoa ocupa o tempo, como ela reage as coisas, etc. Mãos me dizem mais coisas que olhares, ou aquela maldita sobrancelha expressiva. Mãos me dão um panorama completo de uma especificidade clandestina.

Prestar atenção em mãos vem sendo bem educativo desde criança, desde a observação da escrita ou os gestos nervosos de ansiedade, até o carinho suave no meio da noite. Mãos também fazem parte de abraços e esses são raros para durarem mais que 30 segundos no meu caso.

Os pesadelos recorrentes que tenho desde que entrei na vida adulta são de ter as mãos atadas, ou mutiladas, ou sei lá, sem mãos. Eu não conseguiria me imaginar sem elas, as duas formando uma ferramenta simples de produção intelectual, mas também de primária sobrevivência. Mãos me lembram do passado, principalmente aquele que a mente vai apagando conforme o tempo que passa, algumas eu já tive impressão de conhecer de outras vidas ou universos paralelos, outras me surpreenderam pela força em um corpo tão frágil. Poucas me tocaram de verdade, poucas conseguiram segurar o meu braço para evitar que eu fizesse algo imprudente ou impulsivo.

Um cutucar de dedos já me acalmou das piores explosões de humor. Mãos fazem parte do meu arquivo de fotografias mentais.

Hoje segurei a mão da minha mãe. As dela sempre me fascinaram por não serem relativamente desgastadas pelo tempo, pela lavação de roupas no tanque, pelos trabalhos manuais que realizava, pelos trabalhos domésticos, pela vida que levou desde pequena. As mãos de minha mãe tem veias protuberantes, fazendo um caminho tortuoso entre as costas até começo do antebraço. Hoje percebi que as mãos de minha mãe estão velhas.

Ao segurar e acompanhá-la de volta para a estação de ônibus quase me fez cair aos prantos. A minha véinha está ficando velha mesmo. Não há como retroceder, as mãos dela estão mostrando isso. Todos os anos de labuta, afirmação de personalidade, liderança natural, possessividade materna incomum, todos estampados ali. As mãos dela me dizem muita coisa, as lembranças que tenho dela atravessando a rua conosco de mãos dadas (Mesmo não precisando), as mãos preparando a comida do dia, os bolos que ela tanto se orgulha em fazer, inventando moda com retalhos e na costura, essas mãos me ensinaram a contar, a abrir portas, a cuidar do Hank quando ele precisava de toda atenção. Essas mãos jamais encostaram em mim se não fosse para me ensinar algo. Essas mãos nunca deixaram marcas em mim por desobediência ou traquinagem. E as mãos dela estão velhas.

Isso assusta pra caramba.

Peguei-me voltando para meu trajeto na formação de bibliotecários segurando o estômago na agonia de querer chorar um bocado. Não sei se sinto falta de me sentir super protegida por ela ou se sinto culpa por tê-la deixado sozinha para viver a minha vida aos trancos. Aquelas mãos sempre me apertam nas omoplatas - ou como ela fala: "as saboneteiras" - para verificar se estou comendo direitinho, se estou precisando de algo, elas também insistem em arrumar minhas roupas amassadas de longas horas dentro de ônibus para me deixar mais apresentável.

Realmente eu não sei mais o que sentir quando vejo as mãos dela. Porque elas estão velhas, enrugadas e provavelmente não estarão mais tão firmes como costumava ser quando eu era criança. Sei que costuma ser o ciclo da vida, que não há como impedir que o tempo vá trazendo essa certeza tão certeira desde que nascemos. Mas assusta e eu não parei de pensar nisso o dia todo.

Acho que nunca vou ter certeza se aquelas mãos vão passar todas as lições que aprenderam durante a vida dela, só queria que ela não soubesse que percebi nisso hoje, que ela está envelhecendo e isso me assusta muito.

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