Pesquisar este blog

17 abril 2014

[conto com Angie] Zoo Station

Título: Estação do Zoo (por @_brmorgan)
Cenário: Original - Projeto Feéricos.
Classificação: 16 anos. (Violência moderada, palavras de baixo calão).
Tamanho: One-shot ( + 3K palavras)
Status: Completa.
Resumo: Negociações são feitas no vagão do Metrô do Arges.
Personagens: Ângela, o Mendigo do Arges, pessoas comuns, a Tríade da Tribo Klovia.
N/A: Pirei no cabeção e enquanto ouvia o Achtung Baby pensei em fazer um conto por cada título de música desse álbum do U2, não necessariamente inspirada pela música, mas sim só o título, não explora não...

================================================
Trilha Sonora essencial: U2 - Achtung Baby. E sim, os contos vindos a partir do Metrô do Arges vão se basear nos títulos das músicas desse álbum.



[vagão de metrô no meio da madrugada em algum local subterrâneo da Metrópole]

A marca de fuligem minúscula espirrada na janela fechada em um dia de calor na estação de trem da Metrópole enfeitava um dos vagões. Passageiros da madrugada que iam para lugar algum, entretidos em seus silêncios, vigilantes de seus próximos. Um grupinho mais afoito escancarou a porta de comunicação com outro vagão, rindo, falando alto e vivendo a juventude como deveriam.

Um velho levantou o olhar turvo de uma doença ocular avançada, o jovem executivo de terno, gravata e sapatos não mais engrachados, bufou impaciente, o vigilante de salário miserável em um gesto impulsivo de sua profissão, fechou os punhos com vigorosidade para mostrar um pouco sua autoridade no vagão do silêncio.

No começo do vagão havia uma figura esparramada na cadeira de plástico desconfortável, em sono profundo, ressonando baixinho, quase soltando uma melodia com os pequenos silvos que produzia entre os dentes tortos da frente da boca aberta. Algumas cadeiras atrás dela havia o residente permanente daquele metrô: um mendigo como todos os outros, história escondida atrás de espessa barba desalinhada, rosto sujo e roupas maltratadas pelo tempo, poeira e noites mal dormidas. Ele carregava bem perto do peito uma sacolinha cobrindo um saco de papel com uma garrafa visivelmente de bebida alcoolica dentro. Estava em outro mundo, olhando pela janela e às vezes tonteando em um sono embriagado. O barulho do grupinho não perturbou a figura de jovialidade aproximada dos outros, mas fez o vigilante chiar um xingamento pela perturbação.

O grupinho continuou discutindo animadamente a última confusão que aprontaram em um barzinho na parte boêmia da Metrópole, como foram bem sucedidos em vencer uma argumentação desnecessária com outro grupinho igualmente jovem, barulhento e vivaz. Um deles se vangloriou por ter a velocidade apropriada de quebrar uma garrafa de cerveja em um oponente e como isso renderia uma lição para os "arruaceiros".

O de terno bufou e soltou uma reprimenda para si mesmo sobre nunca mais fazer hora extra e pegar aquele trem, o vigilante continuava vigilante, o mendigo cerrou os olhos e voltou ao seu sono passivel de álcool e substâncias ilícitas, a jovenzinha no canto balbuciou algo em seu sono pesado e ruminou como uma pessoa velha, umedecendo seus lábios e voltando a roncar alheia a tudo.

A discussão dos jovens foi ficando alta, com uma disputa interna sobre quem havia sido o mais valente e quem iria bater em quem no próximo embate. As vozes altas se tornaram palavrões, para gritos de provocação, logo uma briga se montava no vagão, tendo o grupo de jovens afoitos pela intensidade da reunião se separado em aqueles que se estapeariam e os espectadores.

O vigilante ousou se aproximar do grupo, mas o pé do mendigo encostou de leve em sua canela e um resmungo o alertou sobre a imprudência. Os rapazes perceberam na quase intromissão e divididos entre se baterem ou espancariam um desconhecido, escolheram o mais costumeiro.

As palavras de provocação se viraram para o vigilante, meia idade, cansado do trabalho entediante, nervos à flor da pele por estar sempre com aquele cassetete no cinto, o clima se tornou tão hostil que o de terno se afastou para o lado oposto, evitando passar pelo mendigo. Mas passou pela figurinha sonolenta que disse em alto e bom som:
- Se não sabe brincar, não desce pro play...

O vigilante mais do que tenso suspirou de alívio ao ver que atenção do grupinho fora pra jovem. Não só a atenção como as intenções de degradação. Um deles (Aquele que havia quebrado a garrafa no rosto de outrém horas atrás) estalou os dedos e a cutucou com o pé protegido por um coturno pesado e sujo.
- Que cê falou aí, pirralha? Tá tirando uma com a nossa cara é? - a mocinha se endireitou no banco de plástico duro, se espreguiçou levemente e agitou a cabeça como se quisesse acordar rapidamente.
- Não era cocê não, mizifio… - ela respondeu rouca e bocejante. - Era com o Zé Mané ali atrás docê… - o grupinho olhou pra trás e não viu ninguém além do engravatado e o vigilante, os dois encarando com temor o que pudesse ocorrer.
- Cê fala engraçado, pirralha… - disse um outro do grupinho, o que parecia ser o chefe se sentou ao lado da garota e se insinuou rapidamente jogando um dos braços em volta dos ombros dela. O mendigo ali perto grunhiu algo em uma lingua diferente. - Quer dar uns rolés aí com a gente? Posso te mostrar a cidade… - a menina retirou o braço intruso em seus ombros com certo asco e colocou de volta na posição original, com o rosto coberto por maquiagem pesada e olhos sonolentos, ela sorriu amarelo e chiou:
- É, já conheço essa cidade como a palma de minha mão… - e ficando bastante tensa no lugar por ter outro rapaz sentando na cadeira oposta e a cercando como predador, ela se ajeitou mais no lugar e riu um pouco. - Então gente… Cês vão descer em qual estação mesmo?
- Ela tem um cheirinho muito bom, rapá… - comentou o da cadeira contrária fungando o pescoço da garota, ela se encolheu com uma careta.
- Cara, não, simplesmente não, okay? - ela esganiçou tremendo pela intrusão, o grupinho riu, quase se amontoando em volta da cadeira ali para omitir qualquer movimento dos que estavam sentados ao lado da garota recém-acordada.
- Cê é de menor é? - disse o que tentara colocar o braço em volta dela.
- Adoro novinha… - comentou outro.
- Q-qual estação que cês vão sair? Hein? - ela perguntou firmemente vendo que o avanço do que dissera sobre seu cheiro estava escapando de seus limites. - Cara não faz isso, não…
- Por que? Cê é mulher de respeito, é? - o grupo riu alto, o “líder” ousou deslizar a mão por debaixo da saia de couro dela. A mão gelada fez contato com a meia-calça arrastão que ela usava e um reflexo involuntário de empurrar o grandalhão para longe do alcance. Ela tentou levantar, mas o grupinho se juntou em volta. O vigilante gritou um pouco afastado:
- Que cês tão fazendo aí, moleques? Deixa a guria em paz!
- Vai se ferrar, vovô! - gritou um de volta já apontando o dedo no rosto do trabalhador noturno. O engravatado se encolheu todo onde estava, o mendigo acordou em torpor, olhando para os lados e dando um longo gole em sua bebida.
- Sério, cara, qual estação vocês vão…? - a garota perguntou, quase suplicando para o “líder”, este não entendeu a preocupação e se inclinou para beijar a garota a força, mas teve seu corpo içado para o outro lado do vagão com força descomunal, pernas sendo puxadas por garras invisíveis, som de muitos ossos esmigalhados e seu rosto sendo marcado devagar em cortes profundos feitos por sabe-se lá o quê. O urro de dor do líder provocou pânico geral no grupinho, que tentava identificar quem era o agressor.
- Mas que porra é essa??? - gritou um do grupinho já tirando canivete do bolso, outros o seguiram com facas e um até tinha uma pequena pistola de bolso engatilhada. O grito que se seguiu silenciou a todos, a intensidade das luzes do vagão aumentou insuportavelmente, para depois entrarem em um túnel de completa escuridão. Ninguém conseguia enxergar direito com aquela confusão de sentidos.
- Puta que caralho!!! - gritou outro. O vigilante se grudou no extintor de incêncio vazio do vagão e começou a rezar suas preces da igreja em que frequentava todo domingo, o engravatado urinou nas calças para depois se ajoelhar em profunda catatonia. O mendigo arrotou brevemente e bebeu mais um pouco para então levantar quando o vagão voltou a ficar iluminado.
- É… Visitas…? - resmungou ele para a garota tentando abrir a porta com o mecanismo de emergência. Sua voz era tão rouca, grave e arrastada que não dava para compreender de imediato, ele se espreguiçou, deixando um pouco da bebida cair ao chão. Xingou algo em lingua estrangeira e verificou o quanto sobrava na garrafa.
- Ajuda aqui, seus lazarentos! - ela sibilou empurrando o mecanismo com força. O grupo ao ver que seu “líder” havia desaparecido (mas deixado seus restos mortais espalhados pelo vagão), logo se prontificou a ajudá-la, todos empurrando a porta de correr ou a chutando para poderem sair o mais rápido dali. - Quando alguém perguntar qual estação vocês vão saltar aqui nesse trem, vocês respondem: “O próximo!” carambolas!! Não sou babá de marmajo, poxa vida!! - A estação veio e junto as luzes falhas do terminal, três mulheres vestidas de preto esperavam o trem parar. O engravatado se atirou na turma de rapazes não mais audaciosos e quando a porta finalmente abriu, todos se engalfinharam para saírem o mais rápido possível. O vigilante continuou ali, olhos fechados, rezando para virgem Maria, sua santa de Fé.

O mendigo deu uma boa olhada no senhor de idade e encostou com a garrafa de bebida no ombro dele, o vigilante pulou no lugar.
- Guarda as bençãos para o dia certo, meu caro… - e com uma piscadela por debaixo de sujeira, poeira e anos sem banho, completou: - Cê vai precisar… - o grupinho já se dispersara atropelando qualquer transeunte dali, o engravatado desmaiou na metade do corredor para as escadas, enquanto o vigilante foi socorrê-lo ainda rezando em voz alta.

As três mulheres entraram, misteriosas, deslizantes sobre o piso de metal, uma delas limpava o rosto com um lenço umedecido, um visível traço de sangue escorrendo em seus lábios.

- WTF escolher justamente esse dia e esse vagão pra reunião, pô?! - Ângela perguntou para o mendigo. Ele deu de ombros e cambaleou em sua embriaguez.
- Eu amo quartas-feiras… - ele respondeu incoerentemente. - Melhor dia da semana! Dia de Odin!
- Cala essa boca que elas… Ahn… errrr oi… boa noite… boa noite… - disse a garota mudando de assunto rapidamente ao ver que as mulheres se sentavam em um banco conjunto ali perto. Todas trajavam o mesmo tipo de vestido, véus de renda cobriam suas faces e pequenos chapéus enfeitados em suas particularidades complementavam a escolha da roupa. Estavam descalças e seus pés estavam cobertos de sangue ainda viscoso.
- A Filha dos Ventos, aprendiz do Dança de Espadas, conclamou uma reunião. - disse a mais velha.
- Então… bem… na verdade é pra ele aqui, óh… - Ângela apontou para o bêbado mendigo encarando uma das mulheres com curiosidade.
- Eu te conheço de algum lugar…? - ele perguntou, Ângela o tirou de perto delas.
- Desculpe-me o Zé aqui… Ele é meio biruta… Não leva muito bem as coisas à sério…
- Para quem faz esse mundo aqui rodar, creio que ele está sendo dissimulado. - disse a mais velha, coçando uma verruga em seu rosto, perto do lábio.
- Cês sabem como é, né? Irlandês… biruta… não dá certo, hehehehehehe - Ângela riu-se de seu próprio apavoramento, a do meio não parava de encará-la de cima abaixo.
- Creio que Dança com Espadas tenha dito as regras, criança. Não atendemos as vontades de primatas masculinos.
- É, eu sei, mas… - o trem voltou a funcionar e o vagão tremelicou no lugar dando algumas chacoalhadas. Os ocupantes se seguraram bem nas barras e em seus lugares. O mendigo sentou aos pés da mais nova (Aquela que ele encarava) e ficou ali, joelhos dobrados no peito e o olhar fixo no chapéu dela.
- Wicklow, 1891… Feira de Yule no cais da Quinta Leste
- Eita, tais ficando bom nisso, hein Zé? Que mais você recuperou no HD mental? As boas maneiras? - alfinetou Ângela o cutucando com o pé. - Então, senhoras… Eu proponho uma, ahn… troca… troca mercadológica… Tipo com mercadoria e tal...
- Continue…
- Ele… ahn… tá meio… morto, como podem observar… E…
- Não lidamos com esse tipo de magia antiga, menina. - respondeu a mais velha.
- Eu sei, mas sempre há um jeitinho, né? - Ângela respondeu com um sorriso de vendedora de cosméticos para as três mulheres. - E eu andei pesquisando por aí e finalmente encontrei um jeito de… reverter a condição dele aqui…
- Você usava perfume de lavanda… Atrás da orelha e no ombro… - disse o mendigo vidrado na mais nova.  - Você me deixou beijar-te ali…
- Okay, sem detalhes sórdidos, não estamos aqui para isso, tio…! - Ângela interceptou antes que a paciência das Fúrias Negras fosse embora. - Apenas me digam o que querem em troca de uma informação que preciso e eu ficarei feliz de… ahn… Walter, cê quer parar? - Ângela foi obrigada estapear o mendigo nos cabelos desgrenhados e oleosos demais do homem que tocava o vestido da mais nova.
- Por que não me leva logo para casa?
- Você não tem mais casa. - responderam as três juntas.
- Por que me deixar nesse tormento de espera?
- Você, peregrino do tempo, não tem mais casa. - responderam as três em uníssono novamente.
- Por que não me levaram pra casa?
- Walter, isso não vai dar cer… - a garota foi interrompida com um gesto brusco da mais velha. Esta lançou um olhar de puro desprezo para ele.
- Você não é um de nós… Nem deles. És o último de sua família, último da geração dos grandes sábios. O destino não permite que você descanse e se for assim, que assim seja…
- Que assim seja - as outras duas responderam.
- Okay, eu preciso entender aqui, tá? Vocês não vão ajudar a achar o coração dele?
- Não temos esse tipo de poder, criança… Esse caso é irreparável. - diagnosticou a mais velha, a mais nova acariciava o queixo barbudo do mendigo e se inclinava para ir de encontro a ele.
- WTF então cês servem?! - a frustração de Ângela foi vista como ofensa pelas Fúrias. A dilatação das pupilas de cada uma delas, as narinas ansiosas, as tensões de mandíbula.
- Você disse que nunca mais iria me deixar… Em Wicklow 1891, porto da Quinta Leste. - a mais nova se aproximava mais de Sir Walter e acariciava seu rosto e cabelos desgrenhados com certa intimidade.
- Não sou eu que faço as regras, marinheiro… - Angie sem saber o que fazer, sapateou no lugar quando o vagão pegou outro túnel não iluminado.
- Mas… mas… mas…!! O acordo que tínhamos!!
- O acordo não cobre casos como esse… - disse a mais velha indicando Walter recebendo um beijo generoso da mais nova, seus olhos verdes produzindo um reflexo vivo e nebuloso de uma alma que ele parecia possuir. O beijo não durou muito, a mais nova olhou para as irmãs com uma expressão de pura luxúria.
- Deixem-me…? - ela pediu em um sussurro, o mendigo parecia estar hipnotizado pela voz e beijo da mais nova. Ângela deu uma volta em si mesma e batendo o pé no chão com força, produzindo um eco no vagão, ela exclamou:
- Um Fianna virgem, zero quilômetro! - as três mulheres se viraram para ela imediatamente. - Novinho em folha, nunca usado, tem um certo probleminha na perna, mas quando tá transformado é uma beleza…
- Wicklow 1891, você disse que jamais iria me deixar…
- Virgem, você disse? - perguntou uma.
- Transformado? Ele é impuro? - disse outra.
- Fianna…? - a mais nova disse empurrando o mendigo para longe, fazendo-o cair de costas no chão do vagão e voltando ao seu torpor de sempre. Ângela sorriu largamente por conseguir chamar atenção.
- E ele nasceu filhote! Ter mais legitimidade que isso, não tem! - e foi enumerando com os dedos - Cria 100% garantida, nada de mistura, integridade nata e hey! Se nascer meninos, já temos onde mandá-los. É pegar ou largar!
- Mas ele aguentaria o encargo? - perguntou a do meio.
- Tais brincando? O Toby? - Angie fez um barulho de balão furado como se debochasse, as mulheres não gostaram. - Quero dizer, ele é ótimo! É honesto, trabalhador, tem massa muscular boa, nunca vi pegando doença feia, é um bocado inocente sobre essas coisas, mas…
- Ele é um puro de coração e corpo. - disse a mais velha para as outras. Angie olhou para Sir Walter esparramado no chão e depois para as mulheres, não queria demonstrar o quanto estava apavorada na presença de Fúrias na sua frente.
- A sobrevivência de nossa Irmandade pode ser asegurada com um filhote de Fianna? - Angie gesticulou com toda a certeza do mundo.
- Acreditem, se ele não for o candidato certo… Não teria tanta Verbena atrás dele… - as mulheres sibilaram com dentes anormalmente alongados e afiados, a garota nômade deu alguns passos na direção do homem desacordado.
- Não podemos deixar escapar essa oportunidade… - murmurou uma, logo uma série de cochichos entre elas começou, Angie se abaixou e verificou pulsação, respiração e aura do amigo caído. Estava tudo bem, pelo menos ele voltara ao torpor comum.
- O que quer em troca?
- Apenas… - indicando Sir Walter no chão - Eu sei que não é da alçada de vocês e que pode exigir muito de seus poderes, mas… Dá uma mãozinha aí, meninas? Uma dica? Qualquer coisa? Ele… ele não vai sobreviver por muito tempo desse jeito. - a mais velha se ajeitou na cadeira e coçando a verruga novamente se pronunciou:
- Ele necessita de seu coração.
- Sim, um mané da Casa de Fionntaín arrancou metade dele fora…
- O coração dele! - exclamou a Fúria não querendo ser interrompida. - Não é aquele que foi retirado de seu peito. Um coração sujo e ambicioso. O coração dele. - ela enfatizou a palavra com um gesto amplo. - Quando ele o encontrar, irá conseguir passar pelas areias infinitas…
- Mas cuidado, Filha dos Ventos… Humanos costumam cometer os mesmos erros não importa quanto tempo passarem em uma jaula forjada para eles mesmos.
- Ele é um cara legal, merece outra chance…
- Você também. - disse a do meio a encarando da mesma maneira.
- E eu tive e estou aproveitando bastante, muito obrigada… - acrescentou Angie timidamente escapando da verificação visual da mulher intimidante.
- Iremos ver o que podemos fazer quanto ao coração físico. - anunciou a mais velha. - Leve o filhote Fianna para vermos no próximo dia de São Valentim.
- Whooooooa tão rápido assim? - Angie se escandalizou.
- Não iremos traumatizar o pequeno lobo, menina… Ritos precisam ser feitos, acordos e iniciações. Ele estará em boas mãos até o momento final.
- Que não arranquem a cabeça dele enquanto estiverem em coito, eu agradeço… - respondeu a menina para si mesma, a mais nova riu rapidamente, foi admoestada pelas outras duas com um olhar severo. A estação chegava aos poucos, muitas pessoas estavam por ali, Angie foi obrigada a levantar o mendigo como podia. - Hey! E como vou saber que o coração dele voltou? - a mais velha já se encaminhava para sair, seguida pelas irmãs.
- Não é você que vai sentir. É ele. - Angie girou os olhos com impaciência e se esforçou para colocar o mendigo em um banco. Deixou-o cair com tudo no lugar e endireitou as costas pelo peso que carregara.
- Tumbalacatumba-tumba-tá, meu nêgo… Cê pesa pra caramba! - uma mão acariciou a sua de forma tímida, pressionando o anular e o médio. A mulher vestida de negro do meio, de cabelos volumosos e escuros levantou o véu, encarando Angie com grandes olhos de orbes escuras e a beijou no rosto.
- Não precisa procurar tanto. Logo irá chegar o Seu tempo.
- Que tempo? O tempo de tocar terror e ter um capacete de crânio de comedor de formiga? - sorrindo largamente. Ela sabia que poderia se fingir de sonsa com as lupinas, ninguém sabia de seu passado.
- Na verdade elas comem frutas e plantas, não formigas. Herbívora monogástrica seletiva é o termo técnico. - Angie ficou sem graça pela fala erudita da mulher tão perigosa e com um meio sorriso assustado disse:
- É, não entendi bulhufas, mas pode ser isso também… - o carinho foi para seu rosto, com um leve apertar em sua bochecha pálida. A mulher saiu do vagão dando lugar para dezenas de outras. A nômade ficou encarando a porta que fechava e a rotina que se estabelecera tão rapidamente após a reunião extraordinária com a tríade da Tribo Klovia de Fúrias da Metrópole.

Sentou-se ao lado do mendigo e o cutucou no nariz para testar alguma reação, o mendigo apenas roncou um pouco e fez uma careta breve em seu sono perpétuo de mais de um século.

 - Tamos lascados, mizifio... Tamos lascadinhos de marré marré deci...

Nenhum comentário:

Postar um comentário