Pesquisar este blog

12 dezembro 2013

fëanorices enraizadas


"Se você deseja viver primeiro precisa assistir ao próprio funeral"
(Katherine Mansfield)

Nunca tive afinidade com o parente, aliás, o desprezava com certa animosidade sem causa alguma. Apenas uma sombra no passado, um nome a ser lembrado com temor, uma lenda longe do meu alcance. Um personagem fictício de um dos meus livros favoritos e que sem querer me influenciou muito desde que me entendo como pseudo-escritora. Não é que eu simpatizava com a figura - ele era um puta dum babaca do começo ao fim - mas muitos comportamentos ali me traziam certa familiaridade. O complexo de Édipo não resolvido, a vontade de territorializar seus parentes, o discurso inflamado antes de sair de Valinor, o olé na hoste de Fingolfin, a queimação de filme (e de barquinho) no porto de Alqualonde.

Tiremos a parte de correr atrás de brilhinhos, isso é ridículo.
#ProntoFalei

Quando eu criei a Hariel (Com I ainda até descobrir que tem um anjo na cabala que tem esse nome, nada feliz!), eu a tinha como essa criança super empolgada com livros e a história da família - Noldor principalmente - e que queria explorar o mundo em aventuras bobas aos arredores de Lórien. E assim foi a pequena elfa da Casa de Celeborn e Galadriel, toda pimpona, gingando pelos telain, irritando a sobrinha Arwen e causando confusão por ser impetuosa demais. Era uma personagem persistente em minha escrita, sempre quando estava escrevendo algo era de certa forma remetido a ela. A Hariel virou Haryel, herdeira de uma Casa já minguada, tensa por estar entre os dois mundos e ver a ascensão do mundo dos Humanos sobre o seu. Era melhor nunca ter deixado os telain não é?



Descer as escadarias pra mirar o mundo lá fora foi um choque, ainda mais quando ela não tinha mais as referências principais na família - o seu irmão mais velho Amroth tinha sumido em Belfalas, Celebrían fora atingida por uma flechada de orc e decidira partir para as terras abençoadas de Valinor para se curar. Já a pequena elfa se fechava nos livros, contrabandeava estudos e esperava dar conta de ajudar os familiares a restabelecerem algumas tradições. Yep, a guria era tradicionalista ao extremo, tanto que a profunda veia questionadora vinha do mesmo pretexto de Fëanor em sua vingança cega contra Morgoth: não era sobre brilhinhos, sobre palavras de honra, não era motivação doentia por algo que não conseguiria mais recuperar. Era provar que o mundo todo tava errado (E que ela poderia consertar!).

A burrice de Fëanor começou cedo - teve 7 filhos, todos eles um mais bobão que o próprio pai - além de desprezar o 2º casamento do pai com Indis dos Vanyar, o camarada canalizou a raiva em jóias raras. Como se isso não iria trazer algum prejuízo, né? Não desmerecendo as artes dele, as preciosidades, mas um cara que se mostra deveras obsessivo por joias não deve prestar muito pra início de conversa (Hello? Dar mais atenção pra um pedaço de pedra lascada do que para sua família?!).

A burrice evoluiu (Ou regrediu?) para teimosia exacerbada, arrogância, ego inflado, desconfiança e temor. Tudo isso colocado no mesmo balaio produz a cópia exata de um virginiano ameaçado. Eu até diria mais, que Fëanor era de setembro e o perfeccionismo dele levou a ruína. O overthinking igualmente e por Eru Ilúvatar que nos olha nos céus de Varda, a criatura tinha uma vontade de ferro inabalável. Então quando a Haryel "nasceu" nos meus contos ambientados na Terra-média anos atrás, imaginei alguém que se oporia a esse sistema doentio que Fëanor deixou como herança, acabou que a mocinha seguiu os mesmos passos do "inimigo" nº1 de Mandos.

Todo Noldor tem alguma coisa estranha que os leva a pagar por pecados dos outros, no caso, pagar com dobro o que o parente prometeu séculos atrás. No caso de Haryel, ela morria de medo de se tornar tão impetuosa ou desobediente como Fëanor, e por incrível que pareça eu me preocupava com a menininha mesmo que fosse só uma personagem minha (mas tinha muita coisa minha, muita, muuuuita coisa). Reler o que eu escrevia quase 10 anos me faz perceber que eu tava predizendo o meu futuro com aquelas linhas rabiscadas em lápis, um aviso sincero de: "Olha aqui, sua maluca metida a doida! Vai dar probrema! Cê ta vendo o que escreveu aqui? Pois então, vai acontecer e você NÃO VAI ter culhões de aguentar o tranco...".

Nunca a Arte imitou a vida quanto isso.

Revendo os passos da Haryel - a pequena elfa, escriba dos Noldor - vejo que eu tava era psicografando minha situação se continuasse a trilhar o Lado Fëanoriano da Força. Bem feito, Elzinha! O tombo foi tão forte que não se quebraram ossos, mas incendiaram um espírito que tava ali só esperando extravasar (e extravasou da maneira MAIS errada possível, imperdoável e digna de carteirinha VIP em Mandos com um tipo especial de penitência eterna.

É por isso que parei de escrever sobre ela, sobre o Universo Tolkiendili, de abandonar de vez a mitologia, de deixar tudo bem enfurnado nas gaveta se estantes, e principal motivo de não querer nem lembrar que vai estrear o Hobbit essa sexta-feira. São lembranças demais, e são boas, maravilhosas e intensas, só que assim como Fëanor, o preço foi alto demais. Os meus "brilhinhus" estão ali, essas pequeninas lembranças que me deixam entusiasmada e afundada em um poço transbordando até o topo de arrependimento. Well, tio maluco, I know how does it feels (to be without a home like a complete unknown, like a rolling stone?).

E minha musa inspiradora faz parte do pacote de "brilhinhus", ela está lá, eu sei que está, mas eu não me atrevo a mirá-la novamente #BoromirFeelings - coragem, tou buscando. Posso ter a alma de um Noldor, mas tremo as canelinhas mais que hobbit na frente de um Nazgûl...

Nunca a Vida imitou a Arte.

Ah, por quê da quote lá no começo do texto?
Queria saber QUANDO eu matei essa guriazinha de dentro de mim, porque resgatá-la tá sendo difícil.