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27 junho 2013

Correspondências via sonho


Tem essa música do The Frames - uma das bandas indie mais awesome da Irlanda que pude conhecer - que em um show ao vivo (Set List) o Glen Hansard diz algo sobre o ritual de juntar cartas antigas e chamar a pessoa que você escreveu por muito tempo para queimá-las com você. Não é um sinal de destruição de lembrança, mas de purificar um pouco qualquer tensão ou esquecimento que haja entre as pessoas envolvidas na escrivinhação. Queimar cartas com a pessoa que você passou anos trocando correspondência pode selar muita coisa, tipo supercola universal que vivo teorizando.


Desde que conheci a Lenore Pierre tenho esse sonho recorrente meio maluquice nada a ver com nada: recebo cartas de uma Rainha velhaca, chateada com suas dores nas pernas e que sempre me dá dicas de boa postura e beleza e tudo mais.

Detalhe: quem é o interlocutor dela é um chinês, de meia idade, que trabalha em alguma empresa alimentícia que tem arroz no meio.



Da onde uma rainha iria escrever cartas para um trabalhador assalariado, dando dicas de beleza, jamais entenderei. Mas o fluxo de cartas parece contínuo porque um diálogo bom é estabelecido entre os dois amigos. Ela sempre pergunta pela mulher e filhos do chinês, se a economia do país está atrapalhando o arroz em seu prato no almoço, se aquelas dicas de postura ajudaram ele a ficar mais atento no trabalho. É uma boa conversa escrita - as palavras me escapam com exatidão, mas consigo sentir como se eu as tivesse lido, interpretado e respondido em outra carta - chega a ser mais intimista quando há troca de confissões e desabafos gerais.

A rainha velhaca reclama das dores nas pernas, o chinês assalariado dos filhos. Essas cartas vindas através de pessoas que jamais vi no mundo real - a de hoje foi uma senhorinha no banco da frente de um carro em que eu estava viajando, livros do Tolkien espalhados no banco detrás or todos os cantos e um pacote de doces no meu colo. Não, desta vez sou eu mesma, com a mesma idade de sempre e até então precavida que era apenas um sonho, nada mais.

Eu lia a carta avidamente com o auxílio de uma lanterninha de bolso, tão ansiosa pelas palavras quanto como se fosse algum amigo querido me dando notícias depois de muito tempo. Entre um parágrafo e outro, percebo que o eu-lírico estabelecido ali como autor da carta é alguém da minha idade provavelmente uma amiga de infância que se encontra beeeeem distante e impossível de nos vermos realmente. As cartas aliviam a dor da saudade, a encenação entre uma rainha idosa com artrite e um oriental do povão é o nosso meio de expressar as futilidades da vida chata que levamos, uma forma de alívio cômico para tudo que nos cerca - de certa forma, sinto que ela precisa de mais alívio do que eu, e por muitas vezes, enquanto leio a carta, imagino se ela não é realmente uma Rainha idosa com tantas limitações corporais.

As linhas se passam com tantas novidades que é impossível tentar lembrar de tudo, só sei que após terminar de ler, fecho a carta em minhas mãos, sorrio como uma boba para mim mesma e começo a escrever uma resposta em rascunho, apoiando a folha de papel pautado e comum no Silmarillion todo rabiscado que tenho (Eu seeeeei heresia!).
A senhorinha que me entregou a carta me questiona se está tudo certo com a Mia - e é aí que meu radar onírico apita, dizendo que é apenas um sonho e jogar pelas regras de Morfeu é só um mero detalhe.


The thing is: as únicas "mia"s que conheço são:
1 - Mia Thermopolis é a personagem do filme da Disney, Diário de uma Princesa com a Anne Hathaway - um dos primeiros filmes dela btw;
2 - Mia de Perseguindo Pássaros Vermelhos - uma fanfiction original da geniosa Piera Portasio;
3 - Aquela "mia" que essas quiançada de agora tem mania de dar apelido, mesmo sabendo que o nome feio é Bulimia. O que não tem nada a ver com o contexto do sonho, mas bem...

Opção 1 parece totalmente lógica para a conexão doida que estabeleci com a Lenore nesse tempinho que estamos juntas (mesmo que seja só em sonhos!). Porque se é para ter sonhos malucos e com detalhes envolvendo princesas, fadas, coisas fofuxas e fantásticas, isso é completamente dentro do departamento da melíade.

A maluquice não termina, porque preciso escrever a resposta e nunca é convencional, já que devo parecer como em chinês assalariado reclamando dos filhos. E assim vai, uma carta de roleplay desconhecido para divertir uma rainha com artrite. O fluxo de palavras parece interminável até eu perceber que estou chorando de saudades e meu eu-lírico já voltou ao pré-adolescente angst. Eu sinto no fundo de minha alma que tenho saudades, apenas não sei se isso será interpretado bem ou não pela Mia lá do outro lado do mundo, possivelmente com as feições de Anne Hathaway e sendo uma Rainha mesmo (Preciso ver esse filme urgentemente, porque o glamour boost de coisas fofuxas da Disney se foi com os episódios de Warehouse 13).

Sinto a falta dela como se fosse uma parte de mim faltando, uma irmã que nunca pode realmente estar do meu lado quando certos assuntos precisavam ser discutidos, a minha saudade é insuportável, tanto que já na metade da carta, estou escrevendo muitas vezes com erros de percurso, riscando as palavras escritas e substituindo por outras de valor emocional menor para não parecer tão desesperada.

Não sei se Mia recebe essas cartas, só sei que me sinto feliz quando dobro direitinho a folha de rascunho e a coloco dentro de um outro livro de SdA - suspeito que seja The History of Middle-earth pelas dezenas de páginas cheias de mapas - e encosto no banco detrás do carro, suspirando de cansaço pelo exercício emocional lírico.
Muita chuva começa a cair e o carro no qual viajo tem um senhor como motorista e está pesquisando avidamente no GPS qual melhor saída da Av. Rio Branco para chegarmos na feirinha. Que feirinha que é, jamais saberei, só sei que é no Rio de Janeiro. Apenas me incomoda o som da chuva intensa do lado de fora, como se me dissesse que demoraria para entregar a resposta e ter outra carta da Mia. Weird feeling esse, mas conhecido.

Esse sonho se repete no contexto da escrivinhação de cartas com eu-líricos trocados para ajudar a pessoa do outro lado se alegrar com seja lá o que aconteça com ela. Recorrente também é a sensação de companheirismo que foi perdida, mas que pedirá ali em linhas malucas de desabafos às vezes desconcertantes - o meu foi de não encontrar biscoitos waffer que prestassem como os da Bauducco e do frio, yep, reclamo um bocado do frio em sonhos.

Conclusão do dia: receber e enviar cartas de eu-líricos trocados pode ser um alívio para algumas preocupações oníricas de ultimamente. Ou vai ver que alguém tá me dando um aviso sobre artrite e falta de arroz na dieta.

Ps: O outro sonho foi da celebração de meu casamento - com alguém totalmente off the chart para eu me casar dude, too much respect for her, no waaaay! even if that was possible - em uma festa ao ar livre e com pessoas conhecidas cantando em rimas, fazendo coreografias de musical da Broadway e coisas nonsense acontecendo de fundo. Minha mãe liga momentos depois de eu acordar me dizendo que sonhou com meu casamento. Posso ir ali chorar no cantinho?

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